'Sleep: O Mal Nunca Dorme' peca por excessiva busca em surpreender o espectador
Diretor estreante pesa a mão na tentativa de criar um suspense de reviravoltas
O cinema sul-coreano é referência quando pensamos em roteiros incríveis, marcados por curvas dramáticas extremamente bem desenvolvidas e plot twists sensacionais. Mestres da narrativa cinematográfica como Park Chan-wook e Bong Joon-ho catapultaram a produção do país a um patamar de merecido destaque mundial. O sucesso de obras como Oldboy (2003) e, mais recentemente, Parasita (2019) parecem ter reforçado, inconscientemente, uma espécie de dogma nos realizadores da Coreia: a necessidade de surpreender o espectador. Na busca por aquele momento de arrebatamento, alguns filmes desaguam no limbo do “enganei você!” e frustram mais do que surpreendem. Infelizmente, este é o caso de Sleep: O Mal Nunca Dorme (2023).
Longa de estreia de Jason Yu, o filme conta a história de um casal a enfrentar um problema delicado: o marido (interpretado pelo saudoso Lee Sun-kyun) começa a apresentar episódios de sonambulismo cada vez mais estranhos. Em uma noite, ele coça o rosto severamente e acordar todo arranhado. Depois, a esposa (Jung Yu-mi) - que está grávida - o flagra de pé, em frente à geladeira, comendo carne crua. O transtorno chega ao ápice após um fato que envolve um pet. O casal procura ajuda médica para tratar a condição, mas as coisas continuam a desandar. Optando por pincelar a narrativa com toques de humor, especialmente em seu primeiro ato (enquanto sobem os créditos iniciais, por exemplo, já escutamos o som ronco do personagem), a produção é ambivalente: mescla comicidade a elementos de horror e suspense, criando um terreno permeado por dúvidas sobre o real perigo que assombra os personagens.
Há decisões estéticas muito interessantes no filme: com apenas um movimento de câmera, sem corte, e reenquadramento de uma personagem, o roteiro revela um dos “acidentes” causados pelo perigoso sonambulismo do marido. Em outra cena, quando a esposa está claramente perturbada com os acontecimentos, Jason Yu potencializa o som diegético da chuva e aquele barulho reflete a angústia interior da personagem. Mesmo com pontos positivos, Sleep: O Mal Nunca Dorme perde-se na confusa tentativa de abraçar os diversos gêneros previamente mencionados. O humor deixa de ter graça, o suspense não é tão tenso assim e nenhuma cena é forte o bastante para se tornar marcante. Ok, há um sentimento de ameaça que permeia todo o filme: mas com uma montagem burocrática, a narrativa se enfraquece e o sentimento de medo provocado pelo filme - fundamental para o bom funcionamento da obra - é modesto demais.
A impressão é de estar diante de uma obra cujo objetivo (ou ânsia) reside na tentativa de instalar dúvidas na mente do espectador, sem lograr êxito em fazer isso de forma fluida, sutil. O filme estabelece uma dicotomia para escolher em que lado ficar: é um caso de possessão/influência espiritual ou, na verdade, a razão de tudo está numa possível loucura dos personagens? Neste quesito em específico, me incomoda o tratamento raso - e até irresponsável - dado às questões de saúde mental e internamento de pacientes. Ainda mais pela triste coincidência com a vida real, já que este foi o último filme do ator Lee Sun-kyun, antes do seu su1c1di0 no final de 2023. Alerta de spoiler: no filme, o personagem dele tenta pular da janela de um edifício e várias medidas de segurança são tomadas para salvaguardar a integridade física dele e dos seus familiares
Superficial ao tentar abordar temas como a pressão social sobre a ideia de um casamento feliz e inquebrantável, Sleep: O Mal Nunca Dorme desperdiça o potencial de filme ousado e irreverente que poderia ser. Com seu roteiro capenga, é um filme de tentativas e erros de um diretor estreante, cuja pretensão se sobressai ao resultado final. A explicação do seu desfecho é, no mínimo, preguiçosa. Sem dar muitos detalhes da conclusão, o que posso adiantar é que - mais uma vez - a obra falha na sua obstinação em deixar o espectador em dúvidas. Uma narrativa truncada, com lampejos de qualidade, mas com o carimbo de filme-esquecível-que-ninguém-lembrará-daqui-a-um-ano.
Para quem desejar, o filme está disponível para aluguel nos streamings Amazon Prime Video, Apple TV e Google Play.